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Direito Marítimo – Atraso na Entrega de Mercadorias em relação ao Transporte Marítimo de Carga

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A importação de mercadorias seja para revenda no mercado interno ou até mesmo para uso e consumo é prática bastante recorrente em nosso país e no mundo. Contudo, há muito que os proprietários dessas mercadorias têm sofrido e se preocupado com o tempo de trânsito de seus bens no transporte marítimo e, da mesma forma, com as consequências do atraso na entrega das mesmas.

O transporte marítimo, de maneira geral, não pode e não deve ser encarado da mesma forma que os transportes rodoviário, aéreo ou ferroviário, pois que, enquanto estes podem ter um tempo de trânsito de certa forma previsível, ou até mesmo rígido, aquele submete-se às agruras da natureza, muito embora já existam equipamentos que possibilitam uma diminuição expressiva dos riscos inerentes à aventura do mar.

De outra banda, do ponto de vista comercial, é sabida a possibilidade de flutuação de mercado em relação às mercadorias, e, também, que um atraso significativo na entrega poderá determinar perda e/ou danos, mesmo que tais mercadorias cheguem ao destino nas mesmas boas condições em que foram embarcadas.

No transporte marítimo de carga é consagrado o princípio do “desvio de viagem”(ou desvio de rota), princípio este que permite ao transportador o desvio de viagem com o propósito de salvaguardar a vida humana ou a carga (incluindo-se, também , o navio) no mar, sendo, pois, do ponto vista doutrinário, excludente de responsabilidade (do transportador) no que tange às perdas e/ou danos em decorrência do atraso na entrega.

Entretanto, o “desvio de viagem” não se confunde com o atraso propriamente dito na entrega das mercadorias. Isto porque, para delimitar-se um e outro necessária a análise de determinadas circunstâncias que necessitam de provas.

Em primeiro lugar devemos ter em conta a existência ou não de um contrato de transporte onde conste cláusula de “tempo de trânsito” e/ou “velocidade cruzeiro” (velocidade média tentativa do navio durante a viagem). Nestes casos a determinação quanto ao atraso na entrega, considerando-se não ter havido desvio da viagem, torna-se relativamente fácil o entendimento, pois que, caberá àquele que sofreu o dano fazer prova – com o contrato de transporte – do tempo de trânsito previsto e do efetivo e, demonstrar, concomitantemente, a extensão dos danos. Baseia-se, portanto, na infração de cláusula contratual.

Em segundo lugar, e aqui a questão torna-se complexa, é quando não existe contrato de transporte, porém, apenas a emissão do “conhecimento de embarque” (“Bill of Lading”).

É de se notar que vários são os países que adotam legislação recente para o transporte via marítima, incluindo a figura do conhecimento de embarque. Esses países, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Inglaterra, África do Sul, dentre outros, incorporaram, na legislação interna, as Convenções Internacionais chamadas Regras de Hague-Visby’68 e de Hamburg’78. Entretanto, tais convenções não fazem menção quanto ao tempo de trânsito. Reportam-se, apenas, que a entrega das mercadorias deverá ser em um “tempo razoável”.

Ora, mesmo naqueles países, o transporte ou entrega de mercadorias em “tempo razoável” é uma questão de interpretação e sua determinação dependerá da exegese de fatos e circunstâncias caso a caso. Observe-se que lá a jurisprudência tem reconhecido que o atraso de 1 a 2 semanas não é atraso significativo determinante do direito ao ressarcimento por perdas e danos, porém, atraso razoável, e excludente de responsabilidade do transportador, dependendo, obviamente, das circunstâncias do ocorrido – e.g. mau tempo, escalas com estadias superiores ao previsto, etc.

No Brasil o comércio marítimo, do ponto de vista da legislação, está previsto no Código Comercial e alguma outra legislação extravagante. Não há nenhum dispositivo legal, e ao nosso ver de outra forma não poderia ser, quanto ao tempo de trânsito depois de iniciada a viagem do navio, ou após o recebimento das mercadorias a bordo. Dessa forma, apenas a análise do caso concreto poderá determinar a existência ou não do atraso na entrega das mercadorias.

Quer significar, assim, à vista de nossa legislação, que o embarque de mercadoria efetivadas sem a existência de um contrato de transporte, pressupõe a aceitação, por parte do embarcador ou do consignatário (incluindo-se o possuidor do conhecimento de embarque se este for à ordem), na condição de “carga parcial”[1], exigindo-se, apenas e tão somente, a emissão do conhecimento de embarque assinado pelo capitão do navio e do carregador.

Nossa legislação prevê que o conhecimento de embarque, além de título de crédito (podendo ser transferível por via de endosso – Dec. 19.473/30), deve ser datado e declarar: a) o nome do capitão (em desuso), do embarcador e do consignatário (podendo omitir-se se for à ordem); b) a qualidade e quantidade dos objetos da carga, suas marcas e números, anotados à margem; c) o lugar da partida (embarque) e do destino, com declaração de escalas, havendo-as; d) o preço do frete e primagem[2], se esta for estipulada, e o lugar e forma de pagamento; e) a assinatura do capitão e do carregador em conformidade com o disposto no art. 575 do Código Comercial.

Denote-se que a assinatura do capitão do navio poderá ser efetuada por representante legal do transportador (agente marítimo ou operador portuário, por exemplo) e a assinatura do carregador caiu em desuso, dada à impossibilidade de obter-se a assinatura de todos os carregadores (embarcadores). Ademais, a emissão do conhecimento de embarque dá-se após a colocação das mercadorias a bordo do navio, e é costume em todos os portos, a assinatura dos mesmo horas antes do zarpe do navio.

Nesse diapasão, é de se concluir que apenas o conhecimento de embarque não é suficiente para determinar-se atraso na entrega das mercadorias. Dever-se-á, pois, remeter-se à verificação de determinadas circunstâncias. Vejamos:

a) No caso de ser o navio obstaculado de zarpar, ou durante a viagem, ou em algum porto de escala, se houver, por fato ou culpa de algum dos embarcadores, que determine atraso na viagem. Neste caso será responsável e responderá por perdas e/ou danos aquele que deu causa;

b) No caso de embargo do navio no porto de embarque ou quando do zarpe, o retardo durante a viagem ou em escala, se houver, ou no porto de destino, se por culpa do navio. Aqui responderá o transportador, independente de seu direito de ação de regresso em face do capitão do navio ou outro;

c) Quando o navio, durante a viagem, entrar em porto ou lugar diverso do previsto para a viagem, não justificando a arribada forçada[3]. Neste caso responderá o transportador.

d) O embargo do navio por autoridade à vista de embarque de mercadoria ilícita, ou qualquer outro fato ilícito por parte de embarcador ou embarcadores. Neste caso responderá aquele que deu causa ao atraso no zarpe do navio. Já se o transportador tiver ciência ou for comunicado e não tomar providências (para a descarga imediata) e se o for depois de iniciada a viagem e não comunicar o fato no primeiro porto de escala, o transportador responderá solidariamente com aquele ou aqueles que deram causa;

e) O arresto do navio em porto de embarque, durante a viagem, ou em porto de escala ou destino, por falta ou culpa do transportador (incluindo-se o armador proprietário), ou em decorrência de relação jurídica anterior com terceiros. Neste caso responderá o transportador;

f) A condição de navegabilidade do navio. Aqui, se ficar provado que o navio estava sem condições de navegabilidade[4], responderá o transportador por perdas e/ou danos.

Deve-se ter em consideração que a caracterização de atraso na entrega das mercadorias, inobstante a existência de circunstâncias como acima mencionadas, há de ser demonstradas e provadas de forma clara e robusta, além do que o lapso temporal deverá ser significativo. Significativo porque as distâncias na navegação marítima apenas são superadas levando-se em consideração as correntes marítimas, ventos, marés e outras condições climáticas, além da relação de potências das máquinas do navio. Ainda, e também até, os tempos de espera para atracação nos portos ou berços, considerando-se prioridade de chegada e/ou restrição de calado do navio; as formas de utilização de equipamentos para embarque ou descarga das mercadorias (se do porto ou do navio; se o equipamento é operador por estivador ou tripulante).

Portanto, conclui-se que, uma vez optado pelo transporte marítimo de mercadorias, o proprietário da mercadoria deve adotar condutas que visam o acompanhamento da viagem da mercadoria a fim de resguardar seu direito de indenização caso haja atraso na entrega e prejuízos.

[1] Quando apenas uma parte do espaço do navio é utilizado (como nos casos de containeres).

[2] Do francês “primage”, o percentual ou gratificação atribuída ao capitão do navio. Fixa ou proporcional ao valor do frete. Nos dias de hoje está incluída no frete e pertence ao armador.

[3] As causas justas para a arribada forçada são: a) falta de víveres (provisões de bordo) ou aguada; b) qualquer acidente acontecido à equipagem, carga ou navio, que impossibilite este a continuar a viagem; c) temor fundado de inimigo ou pirata; d) a salvaguarda da vida humana ou morte a bordo. É o princípio do desvio de viagem. [4] A condição de navegabilidade de um navio pressupõe estar o mesmo e, absolutamente, todos os aspectos – máquina, caso, equipamentos de navegação e todos os outros – em condições de navegabilidade

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