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CONTRATOS NO DIREITO MARÍTIMO

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Breve Introdução Histórica

A utilização de contratos no transporte marítimo de mercadorias remonta ao direito bizantino, considerado o ponto de partida do direito marítimo medieval, onde “quando um homem afreta um navio, o contrato deve ser escrito e assinado pelas partes, o que, de outra forma será nulo”.

Dessa forma a “carta partita” ou “charta partita” ou “charter party”, era um documento escrito em duplicata, porém em apenas um pedaço de papel e, posteriormente, cortado (ou rasgado) no meio, ficando cada parte com um pedaço do acordo. Escrito na língua inglesa tem-se notícia de contrato de transporte (Voyage Charter Party) datado de 03 de julho de 1531, do navio Cheritie.

Em tempos remotos as empresas de navegação envolviam-se em todas as operações relacionadas com o navio, incluindo-se a parte comercial. O armador proprietário – pessoa física ou jurídica – cuidava da armação, gerenciamento de tripulação, operação técnica, etc. Em alguns casos ara o próprio armador o comandante do navio.

Com passar dos tempos as companhias de navegação foram gradualmente modificando essa estrutura no sentido de tornarem-se mais ágeis.

O armador passou a ter funções específicas e, em muitos casos, gerenciadas por terceiros: gerenciamento financeiro; gerenciamento técnico (sobressalente, combustível, avarias, etc.); gerenciamento operacional (rotinas diárias do navio, pessoal, etc.), e gerenciamento comercial (emprego do navio, etc.).

Dos Contratos

Nos países que utilizam o direito civil, como o Brasil, o termo “afretamento” refere-se apenas aos contratos para utilização do navio ou dos serviços do navio. Já nos países de “commom law” (e.g. Inglaterra) o uso do termo é ambíguo e é usado tanto para se referir aos contratos de utilização do navio ou dos serviços do navio quanto para os de transporte de mercadorias.

São três as espécies do gênero de contrato de afretamento:
• contrato de afretamento a casco nu;
• contrato de afretamento por tempo; e
• contrato de transporte.

I – CONTRATO DE AFRETAMENTO A CASCO NU (BAREBOAT OU DEMISE CHARTER PARTY).

Contratos de afretamento a casco nu (bareboat ou demise charter parties) são aqueles que se caracterizam pela utilização do navio, por um tempo determinado, no qual o proprietário dispõe de seu navio ao afretador a casco nu, o qual assume a posse e o controle do mesmo, mediante uma retribuição – hire – pagável em intervalos determinados durante o período do contrato. É um contrato de utilização do navio.

O navio é tomado em afretamento desprovido do comandante, tripulação, e demais itens inerentes e necessários à navegação (incluindo-se as vistorias de classificação, docagem, etc.). Quer significar que o comandante, e às vezes alguns tripulantes (chefe de máquina, principalmente), poderão ser indicados pelo proprietário do navio, porém contratados e controlados, e por consequência empregados, do afretador a casco nu.

Tem-se, pois, as seguintes partes na relação contratual: de um lado: proprietário do navio – pessoa física ou jurídica, em nome de quem a propriedade da embarcação é inscrita na autoridade marítima e, quando legalmente exigido, no Tribunal Marítimo (no caso do Brasil há necessidade de inscrição no Tribunal Marítimo); do outro: o afretador a casco nu, pessoa física ou jurídica que muito embora não seja o proprietário do navio, arma e detém o total controle do navio (gestões náutica, de pessoal e comercial) assumindo a posição de armador disponente. Dessa forma, deverá tomar todas as providências como se fora o proprietário (seguros de casco, máquina, P&I, etc.), além de poder direcionar o navio para qualquer parte, observadas as normas internacionais de segurança e salvaguarda da vida humana no mar.

Tem importância o contato de afretamento a casco nu em eventual relação com terceiros e suas consequências. Vejamos alguns exemplos:

  1. Nos casos de danos causados ao navio. A responsabilidade do afretador a casco nu será aquela do direito civil, que regem os contratos, e decorrentes dos estritos termos do contrato em questão;
  2. Quanto aos fretes gerados pelo navio durante o período do contrato. O proprietário do navio, por não ter a posse do mesmo, tampouco a gestão comercial, não terá direito aos fretes. Estes são do afretador a casco nu, se for ele transportador e como tal tem direito aos fretes gerados na relação de transporte;
  3. Pelos atos do comandante e tripulação. O proprietário do navio não é responsável, perante os embarcadores e /ou consignatários, posto que, são eles prepostos do afretador a casco nu;
  4. Os conhecimentos de embarque (Bill of lading) assinados pelo comandante vinculam o afretador a casco nu, enquanto transportador, e não o proprietário, e o afretador a casco nu é, para todos os efeitos o transportador das mercadorias;
  5. Nos casos de colisão ou abalroação pelo navio. Responderá o afretador a casco nu perante terceiros (e da mesma forma perante o proprietário).

II – CONTRATO DE AFRETAMENTO POR TEMPO (TIME CHARTER PARTY).

Contrato de afretamento por tempo – time charter-party – caracteriza-se pela utilização do navio, por um tempo determinado, no qual o proprietário ou armador disponente[1] coloca o navio completamente armado, equipado e em condição de navegabilidade, a disposição do afretador por tempo, o qual assume a posse a o controle (gestões náutica e comercial) mediante uma retribuição – hire – pagável em intervalos determinados durante o período do contrato. É um contrato de utilização dos serviços do navio.

Diferencia-se do contrato de afretamento a casco nu:

  1. No contrato de afretamento a casco nu o comandante e os tripulantes são empregados do afretador a casco nu, enquanto que no contrato de afretamento por tempo estes são empregados do proprietário ou do armador disponente;
  2. No contrato de afretamento a casco nu as despesas de óleo combustível, diesel, lubrificantes, água, víveres (rancho), soldadas (salários dos tripulantes) são de responsabilidade do afretador a casco nu. Já no contrato de afretamento por tempo, apenas as despesas com óleo combustível, diesel, e em alguns casos lubrificantes, são de responsabilidade do afretador por tempo;
  3. No contrato de afretamento a casco nu todas as despesas portuárias relativas ao navio e seus tripulantes são de responsabilidade do afretador a casco nu. No contrato de afretamento por tempo as despesas portuárias relativas ao navio são de responsabilidade do afretador por tempo permanecendo aquelas, referentes aos tripulantes, de responsabilidade do proprietário ou armador disponente;
  4. Nos contratos de afretamento a casco nu o armador disponente não poderá colocar o navio “off hire”, porque não haverá descumprimento de cláusula contratual por parte do proprietário, pois que sua única obrigação é a entrega do navio. Poderá o proprietário, no entanto, apenas colocar o navio “off hire” (fora de contrato) pelo não pagamento do “hire” (preço do afretamento). No contrato de afretamento por tempo o afretador por tempo poderá colocar o navio “off hire” em qualquer hipótese que afete a navegabilidade ou operacionalidade do navio (deficiência de equipamento, propulsão etc.).
  5. No contrato de afretamento a casco nu o proprietário jamais será responsabilizado por eventual avaria à carga perante o embarcador ou consignatário, pois que, será, sempre, o armador disponente o transportador;

Ainda, os contratos de afretamento por tempo podem se resumir a uma viagem específica, isto é, por um período de tempo pré-determinado, de um porto a outro especificados, ou mesmo a uma viagem redonda (e.g. embarque no porto A, descarga no porto B, embarque no porto B e descarga no porto A, com um tempo de 90 dias / 100 dias mais ou menos).

Existem vários tipos de contratos de afretamento por tempo. No entanto, os mais divulgados e utilizados, em formulários padrão (aprovados pelo BIMCO)[2], são:

  1. “NYPE” – É o nome código para o contrato de afretamento por tempo aprovado pela “New York Produce Exchange”, em 1946. Houve uma revisão em 1981 e uma mais recente, em 1993;
  2. “Baltime 1939” – É o nome código para o contrato aprovado pelo BIMCO, e mais utilizado na região do Báltico.

Podemos ressaltar as seguintes cláusulas, comuns aos formulários (contratos) padrão, acima mencionados:

  1. Descrição do navio – descreve, em detalhes, o navio a ser afretado, ou seja: nome, tonelagem, classe, potência de máquinas principal e auxiliares,
    capacidade de carga, equipamentos, velocidade cruzeiro, consumo de combustível e diesel, etc. Normalmente tais dados são informados na base “acerca”, quer dizer, são dados com certa tolerância para mais ou para menos, não devendo exceder 5%;
  2. Período de afretamento – é o período de utilização do navio. Expresso em anos, meses e dias (ou uma combinação dos três). Também se utiliza a expressão “mais ou menos” ou “mínimo” ou “máximo” com relação ao período, com o objetivo de determinar-se uma tolerância;
  3. Limites de rotas e utilização – São os limites geográficos onde o navio poderá ser utilizado. Também: a especificação do tipo de carga que poderá ser transportada (mercadorias legalmente permitidas); especificação de portos e berços seguros (conforme doutrina internacional); especificação de calado par que o navio “sempre flutue em segurança”; eventual restrição quanto ao tipo de carga a ser transportada.
  4. Autorização de subafretamento – permite ao afretador subafretar o navio a terceiro. Porém, do ponto de vista da relação jurídica continua – o afretador – responsável, perante o armador pelo cumprimento do contrato;
  5. Entrega do navio – para que o contrato tenha início, necessária a entrega do navio em data e horário especificados; em local – estaleiro, porto berço, ou qualquer outro lugar onde o navio esteja flutuando em segurança. Deverá, também, e é condição “sine qua non”, estar em condições de navegabilidade, além de pronto em todos os aspectos para receber (embarcar e descarregar) as mercadorias permitidas em contrato;
  6. Cláusula de cancelamento – permite a rescisão do contrato, pelo afretador, no caso de não apresentação do navio nas datas estipuladas ou não estando o navio em condições para cumprir o contrato;
  7. Pagamento do “hire” (contraprestação pela utilização dos serviços do navio) – estipula as condições de pagamento: local, datas, valores (normalmente é efetuado mensal ou quinzenalmente e adiantado);
  8. “Off hire” (fora de contrato) – especifica as condições em que o afretador estará isento do pagamento do “hire”, quando o navio não estiver totalmente à disposição do afretador (e.g. em casos de acidente, problemas de máquinas; docagem, etc.);
  9. Dedução (pecuniárias) do “hire” – permite ou proíbe deduções quando do pagamento do “hire” (e.g. adiantamentos feitos pelo afretador por conta e ordem do armador; deficiência de velocidade do navio, etc.);
  10. Retirada (rescisão) do navio pelo não pagamento de “hire”- permite ao armador retirar o navio (rescindir o contrato) nos caos de não pagamento do “hire”; ou pagamento após a data estipulada no contrato; ou pagamento parcial. No entanto, o armador deverá notificar expressamente o afretador de sua intenção. Se o navio estiver em viagem (com carga), quando da rescisão, a mesma deverá ser terminada e o transporte (normalmente coberto por Bill of Lading) deverá ser executado, pelo afretador, até o final. Na prática o navio é reafretrado em níveis de “hire” diferentes;
  11. Emprego do navio e nomeação de agentes – permite ao afretador controlar o emprego do navio (do ponto de vista comercial) e nomear os agentes nos vários portos de escala;
  12. Assinatura de “conhecimentos de embarque” – determina, expressa ou implicitamente, quem deverá assinar os conhecimentos de embarque; se o comandante do navio ou o agente;
  13. Reentrega do navio – quando do término do contrato, determina o local ou a área onde o navio será reentregue, ou seja, retornará à posse do armador (proprietário) nas mesma boas condições em que foi entregue;

III – CONTRATO DE AFRETAMENTO POR VIAGEM (VOYAGE CHARTER PARTY).

O contrato de afretamento por viagem é um contrato de transporte de mercadoria e em seu conceito jurídico amplo, ”é aquele em que uma pessoa ou empresa obriga-se, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas animadas ou inanimadas”., conforme Caio Mario da Silva Pereira. Tem como característica jurídica principal a bilateralidade.

Os contratos de afretamento por viagem se regem pelos princípios comuns a todos os contratos de transporte, e por algumas regras especiais.

Observe-se que o termo “por viagem” não tem significado restritivo, quer dizer, não determina que o contrato deva ser por apenas uma viagem. Pode ser por várias viagens com o mesmo navio. O termo apenas demonstra que o contrato é de transporte de mercadorias, de acordo com a Convenção de Roma, de 1980, sobre Obrigações Contratuais.

Assim, de maneira geral, no contrato de transporte por viagem, obriga-se o transportador a transferir coisas de um lugar para outro. Via de regra, o contrato de transporte marítimo é efetuado entre duas pessoas, físicas ou jurídicas, que são o transportador (carrier) e o fretador ou charteador (charterer).

É o transportador aquele que fornece o espaço a bordo de seu navio, enquanto o fretador (que pode ser também o embarcador – “shipper”) é aquele que toma o espaço do navio, mediante o pagamento de uma contrapartida – o frete – para o transporte de sua mercadoria.

Há, ainda, os “contract of affreightment” (contratos de afretamento ou contratos de quantidades ou tonelagem), que preferimos colocá-los à parte dos outros acima mencionados, pois que, estes contratos, em verdade, muito embora a terminologia em português traga uma certa confusão no entendimento, são contratos de transporte. Nessa forma de contrato, uma parte (armador, na acepção ampla do termo) acorda com outra parte (afretador, na acepção estrita do termo) em transportar uma certa quantidade de carga durante um período de tempo (normalmente grandes quantidade e por longos períodos, em embarques flexíveis. E.g. um COA para 400.000 toneladas métricas, por um período de 20 meses, em embarques de 20.000 toneladas métricas a cada 60 dias). Os navios são nomeados, pelo armador, com certa antecedência da data de carregamento de cada embarque (laytime canceling date). Percebe-se, portanto que, enquanto uma parte é responsável em fornecer os navios para o transporte, a outra é responsável em fornecer a mercadoria (além, por óbvio, de pagar o frete).

Da mesma forma que para os contrato de afretamento por tempo, para os contratos de afretamento por viagem existem formulários padrão, dentre os quais ressaltam-se: “GENCON” e “ASBATANKVOY”. Suas cláusulas principais identificam: (a) as partes contratuais; (b) o navio (como também pode especificar a posição atual do navio); (c) a viagem em questão; (d) portos de embarque e descarga (ou o direito do afretador em nomeá-los); (e) capacidade de carga do navio.

Podemos, ainda, dividi-lo nas seguintes fases:

  1. Viagem preliminar – é a viagem até o porto (ou berço) de embarque das mercadorias, ou área geográfica determinada no contrato;
  2. Navio chegado – determina em quais condições considerar-se-á o navio como chegado, i.e. se quando chegado no berço ou cais; ou no porto; ou local de fundeio; se deverá, ao mesmo tempo, ter livre prática, etc.
  3. Embarque – Após a chegada do navio e antes que o período de embarque (laytime for loading) comece a contar, o navio deve estar pronto em todos os aspectos para receber a mercadoria contratual (incluindo seus porões). É aí que o armador (o navio) deverá dar a Notícia de Prontidão (NOR) ao afretador (ou a quem ele determinar) iniciando-se, então, o contrato propriamente dito;
  4. A viagem de transporte – a viagem de transporte, após terem sido as mercadorias recebidas a bordo – deverá ter lugar da forma mais rápida possível e, na medida do possível, e de acordo com a legislação de cada país, sem desvio de rota (arribada), observando-se que o transportador (afretador) é depositário das mercadorias;
  5. Descarga das mercadorias – A responsabilidade pela descarga dependerá da condição de frete acordada (se FIO ou FIOST ou outra), significando que tanto pode ser do navio (transportador) quanto da afretador (liner out);
  6. Entrega das mercadorias – Será feita a quem for o detentor do conhecimento de embarque, ou o consignatário das mesmas.

Assim, é que, enquanto os contratos de afretamento a casco nu tratam da utilização do navio em todos seus aspectos, quer dizer, o navio é tomado em afretamento desprovido do comandante, tripulação, e demais itens inerentes e necessários à navegação (incluindo-se as vistorias de classificação, docagem, etc.), os contratos de afretamento por tempo tratam da utilização dos serviços do navio, ou seja, o navio é tomado completamente armado, equipado e em condição de navegabilidade, onde o afretador por tempo assume a posse a o controle (gestões náutica e comercial) mediante uma retribuição – hire – pagável em intervalos determinados durante o período do contrato.

Assim, é que, enquanto os contratos de afretamento a casco nu tratam da utilização do navio em todos seus aspectos, quer dizer, o navio é tomado em afretamento desprovido do comandante, tripulação, e demais itens inerentes e necessários à navegação (incluindo-se as vistorias de classificação, docagem, etc.), os contratos de afretamento por tempo tratam da utilização dos serviços do navio, ou seja, o navio é tomado completamente armado, equipado e em condição de navegabilidade, onde o afretador por tempo assume a posse a o controle (gestões náutica e comercial) mediante uma retribuição – hire – pagável em intervalos determinados durante o período do contrato.

Por fim, os contratos de transporte marítimo de mercadorias “são aqueles onde uma pessoa ou empresa obriga-se, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas animadas ou inanimadas”, no dizer de Caio
Mario da Silva Pereira. Tem como característica jurídica principal a bilateralidade e a responsabilidade civil objetiva do transportador.

Diante das peculiaridades de cada contrato no Direito Marítimo é recomendado, sempre, a orientação de um especialista.


[1] Que pode ser um afretador a casco nu, que subafretou a outrem para transporte de mercadorias.
[2] Baltic and International Maritime Coucil, localizado em Copenhagen é uma das maiores organizações de armadores do mundo.

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